TOQUE DE RECOLHER!
A notícia de que entrou em vigor em cidades do interior paulista, o toque de recolher para crianças e adolescentes é no mínimo chocante e representa um retrocesso tanto dos direitos humanos quanto dos direitos da infância. A decisão tomada pelo juiz da Vara da Infância e Juventude da comarca, com a justificativa de evitar que “menores” se envolvam na criminalidade reflete em muito o fenômeno da pós-modernidade na sociedade contemporânea, que através de seus ideais de pureza e ordem pune todos aqueles que fogem de um padrão de ordem desejado, sem levar em consideração o fenômeno da violência como um todo.
Contemporaneamente o sentimento de insegurança e o crescimento da violência, não são características de uma única classe social, de um único grupo e sim um acontecimento global e um fenômeno complexo. Assim, relacionar a criminalidade a crianças e adolescentes de forma única e dissociada utilizando mitos ou estigmas para caracterizar tais sujeitos como inimigos sociais é uma atitude no mínimo retrograda.
O toque de recolher ou recolher obrigatório é a proibição, decretada por um governo ou autoridade, de que pessoas permaneçam nas ruas após uma determinada hora, seja individualmente ou em grupo. Quem desobedecer pode ser detido ou preso. O toque considerado medida de segurança pública e garantia da ordem civil que também pode ser usada como método de repressão política.
O nome deriva essencialmente da prática européia de, durante guerras, após determinada hora (geralmente o início da noite), soar uma sirene para que a população deixasse as ruas em caso de bombardeio. Atualmente, o toque pode ou não ser literal, às vezes bastando que carros de patrulha percorram as ruas ordenando que os cidadãos voltem para suas casas e alertando os possíveis infratores.
O toque de recolher foi usado extensivamente pelos nazistas na Alemanha entre 1933 e 1945 contra judeus. Na mesma época, os EUA fizeram o mesmo contra imigrantes japoneses e seus descendentes (nisseis, sanseis) na Costa Oeste do país (Califórnia, Oregon e Washington). No mesmo país, nas décadas seguintes, os cidadãos afro-americanos sofreram o mesmo tipo de restrição durante a vigência da Lei Jim Crow. Regras similares existem até hoje (desde os anos 1980) em alguns lugares dos EUA, proibindo menores de idade de se reunirem em locais públicos durante o horário letivo.
Mais recentemente, o toque de recolher como medida política e pública tem sido usado em diversas ocasiões, decretados por governos legítimos ou não, em países como Israel contra civis palestinos nos Territórios Ocupados, no Reino Unido, Singapura e Dinamarca as autoridades também impuseram um toque de recolher às 23h para crianças e adolescentes menores de 16 anos de idade como medida, imposta para combater a delinqüência juvenil.
No Brasil a imposição do “toque de recolher” representa um verdadeiro retrocesso. Em Ilha Solteira e Itapura, conforme decreto do juiz, menores de 13 anos desacompanhados só poderão ficar nas ruas até 20h30m. Os que têm até 15 anos têm permissão para permanecer até 22h. Adolescentes entre 16 e 18 anos podem ficar até 23h. No município de Mirassol a decisão também foi tomada em conjunto pela Vara da Infância e Juventude e pelo Conselho Tutelar. Além de não poder ficar nas ruas sozinhos, os adolescentes também não podem ficar em locais públicos, como shopping centers. Não há horários diferenciados por idade. O toque de recolher é geral, a partir de 23h para menores de 18 anos.
Para compreendermos o verdadeiro absurdo de tal determinação, essa realidade deve ser visualizada a partir de dois contextos históricos: a doutrina da situação irregular e a doutrina da proteção integral, que nos permitirá um olhar mais atento e consciente aos conceitos e valores atuais.
No Brasil, ao final do século XIX, as transmutações mundiais, refletiram novas idéias, que colocam a criança como um valioso patrimônio da nação. O País passava transformações, buscava-se o nascimento de uma nação “culta e civilizada”, onde a criança, por um lado, representava a esperança, o futuro da nação, se bem educada/reeducada conforme o padrão moral da época, por outro, uma ameaça, se não cuidada e moldada a esse padrão. Todo esse pensamento com características salvacionistas, a fim de garantir a paz social e o futuro da nação, em torno da infância, visava à prevenção (vigiar a criança), educação (treinar o pobre para o trabalho e submissão), recuperação (reeducar ou reabilitar menor ao padrão moral da época) e repressão (conter o menor delinqüente), o reflexo, portanto, foi a criação de um aparato médico-jurídico-assistencial no Brasil, que permitiu a criação do direito do “menor”.
A construção do direito do menor teve início oficialmente nos Estados Unidos da América, que se preocupou em implementar de pronto os Tribunais de Menores.
Os Tribunais de Menores proporcionaram a criação e aplicação do chamado “direito dos menores”, o qual trazia uma roupagem protetiva e assistencialista, sempre focado o combate da criminalidade, que, por sua vez, confundia-se com a questão social. Criou-se um sistema para controlar toda a infância desassistida, trazendo uma identificação ideológica e jurídica entre esta e a infância delinqüente.
A falta de formalidade, a forma discricionária com a qual o juiz conduzia todas as situações, como se fosse ele sabedor do bem e do mal, do certo e do errado, sem haver qualquer tipo de garantia e reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos caracterizou-se como a prática estatal, respaldada pelo direito dos menores.
Assim, a atuação de forma tutelar, incluindo na categoria menor, tanto os delinqüentes, como os abandonados, foram alguns dos principais elementos que constituíram a Doutrina da Situação Irregular que legitimava a atuação do poder judiciário indiscriminado sobre crianças e adolescentes em situação de dificuldade, justificando medidas assistencialistas e de segregação social.
O direito do menor legitimava a sociedade, que ao encontrar-se incomodada pela presença de crianças fora do padrão esperado, acionava os seus mecanismos de controle social, quais sejam, a Polícia, o Juizado de Menores, as Delegacias de Menores, as instituições oficiais e particulares, responsáveis por retirarem esse “menor” da vivência social. Existia, portanto, uma cultura de internação para os carentes e delinqüentes: a segregação vista como única solução.
A partir dos anos 80 no Brasil, o processo de redemocratização, colaborou para o processo de mobilização da sociedade organizada para buscar as modificações pretendidas em relação aos direitos de crianças e adolescentes.
A Constituição Federal de 1988 trouxe significativas mudanças, estabelecendo novos paradigmas, incorporando princípios elementares da Doutrina da Proteção Integral, sendo este o marco simbólico e formal do início do novo período prevendo um modelo baseado em direitos, fundamentado na Doutrina da Proteção Integral corporificado no desejo de assegurar dignidade às crianças e aos adolescentes brasileiros.
Deste modo, a Doutrina da Proteção Integral apresenta um conjunto conceitual, metodológico e jurídico, sob a ótica dos direitos humanos, atribuindo às questões relativas às crianças e aos adolescentes a dignidade e o respeito do qual são merecedores.
Tais preceitos foram reforçados através de normas internacionais dentre as quais a de maior relevância, nesse âmbito, foi a Convenção sobre Direitos da Criança de 1989, que incorporou finalmente a Doutrina da Proteção Integral e repercutiu como novo paradigma a ser incorporado pelas legislações internas dos países.
Já em 1990, foi aprovado no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que não apenas reconheceu os princípios da Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, como os desenvolveu.
As crianças e adolescentes passam a ser reconhecidas, em âmbito normativo, como pessoas em condição desenvolvimento, merecedores de direitos próprios e especiais, passando, portanto, de “menores” a cidadãos, sendo a responsabilidade de todos aqueles que integram o Estado (família, comunidade, sociedade em geral e poder público, em todas as suas formas) assegurem, prioritariamente, antes de qualquer outra política social, o real e prático alcance dos direitos inerentes à pessoa humana, como o direito à vida, direito à saúde, direito à alimentação, direito à educação, liberdade, além de outros.
Assim, crianças e adolescentes passam a ter acesso aos meios de defesa dos seus direitos, principalmente da liberdade, do respeito e da dignidade, bem como à responsabilização daqueles que porventura viessem a ofendê-los, exigindo uma prestação positiva do Estado, da família e da sociedade, independente de qualquer condição.
Essa nova condição jurídica, a que foram alçadas as crianças e os adolescentes (sujeitos de direitos), colocou-os em posição de igualdade em relação aos adultos. Estabelecendo a finalidade a ser alcançada: assegurar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Desfruta a infância e a juventude de uma finalidade especial, na medida em que são sujeitos de direitos, que devem ter assegurados para seu pleno desenvolvimento.
Dito isto, a atitude do juiz ao decretar o TOQUE DE RECOLHER nas cidades do interior de São Paulo, como medida para se evitar a violência juvenil, retrocede as práticas da Doutrina da Situação Irregular, onde o juiz da infância e juventude era visto como aquele que detinha o poder e total autonomia para decidir sobre a vida de crianças e adolescentes, tendo dentre suas funções a de tutelar e legislar, sendo muitas vezes uma figura completamente autoritária. O revogado Código de Menores centrava todas as decisões na figura do juiz que não precisava consultar ninguém e nem justificar as decisões que tomava. Pais, família e sociedade entregavam a responsabilidade de educar e cuidar os filhos ao Estado.
A partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, deve-se abandonar a idéia de que o juiz é um Deus capaz de decidir a vida de crianças e adolescentes através de forma indiscriminada, sem levar em consideração a responsabilidade dos pais e da sociedade. Hodiernamente deve prevalecer a figura de um juiz democrático, que deve exercer em sua plenitude a função de julgar não mais baseado em suas convicções pessoais, e sim na legalidade que permeia tais decisões.
Estabelecer toque de recolher fere todos os preceitos dos Direitos Humanos e da Doutrina da Proteção Integral. Práticas desumanizadoras como esta com o caráter estigmatizador, utilizado em tempos de guerra e até mesmo pelo regime nazista não podem ser consideradas legitimas. É uma medida no mínimo simplista e paleativa, que além de não resolver o problema, fere diretamente os direitos constitucionais, a Liberdade de ir e vir, liberdade de educar, liberdade de poder escolher entre o que é certo e o que é errado.
A notícia de que entrou em vigor em cidades do interior paulista, o toque de recolher para crianças e adolescentes é no mínimo chocante e representa um retrocesso tanto dos direitos humanos quanto dos direitos da infância. A decisão tomada pelo juiz da Vara da Infância e Juventude da comarca, com a justificativa de evitar que “menores” se envolvam na criminalidade reflete em muito o fenômeno da pós-modernidade na sociedade contemporânea, que através de seus ideais de pureza e ordem pune todos aqueles que fogem de um padrão de ordem desejado, sem levar em consideração o fenômeno da violência como um todo.
Contemporaneamente o sentimento de insegurança e o crescimento da violência, não são características de uma única classe social, de um único grupo e sim um acontecimento global e um fenômeno complexo. Assim, relacionar a criminalidade a crianças e adolescentes de forma única e dissociada utilizando mitos ou estigmas para caracterizar tais sujeitos como inimigos sociais é uma atitude no mínimo retrograda.
O toque de recolher ou recolher obrigatório é a proibição, decretada por um governo ou autoridade, de que pessoas permaneçam nas ruas após uma determinada hora, seja individualmente ou em grupo. Quem desobedecer pode ser detido ou preso. O toque considerado medida de segurança pública e garantia da ordem civil que também pode ser usada como método de repressão política.
O nome deriva essencialmente da prática européia de, durante guerras, após determinada hora (geralmente o início da noite), soar uma sirene para que a população deixasse as ruas em caso de bombardeio. Atualmente, o toque pode ou não ser literal, às vezes bastando que carros de patrulha percorram as ruas ordenando que os cidadãos voltem para suas casas e alertando os possíveis infratores.
O toque de recolher foi usado extensivamente pelos nazistas na Alemanha entre 1933 e 1945 contra judeus. Na mesma época, os EUA fizeram o mesmo contra imigrantes japoneses e seus descendentes (nisseis, sanseis) na Costa Oeste do país (Califórnia, Oregon e Washington). No mesmo país, nas décadas seguintes, os cidadãos afro-americanos sofreram o mesmo tipo de restrição durante a vigência da Lei Jim Crow. Regras similares existem até hoje (desde os anos 1980) em alguns lugares dos EUA, proibindo menores de idade de se reunirem em locais públicos durante o horário letivo.
Mais recentemente, o toque de recolher como medida política e pública tem sido usado em diversas ocasiões, decretados por governos legítimos ou não, em países como Israel contra civis palestinos nos Territórios Ocupados, no Reino Unido, Singapura e Dinamarca as autoridades também impuseram um toque de recolher às 23h para crianças e adolescentes menores de 16 anos de idade como medida, imposta para combater a delinqüência juvenil.
No Brasil a imposição do “toque de recolher” representa um verdadeiro retrocesso. Em Ilha Solteira e Itapura, conforme decreto do juiz, menores de 13 anos desacompanhados só poderão ficar nas ruas até 20h30m. Os que têm até 15 anos têm permissão para permanecer até 22h. Adolescentes entre 16 e 18 anos podem ficar até 23h. No município de Mirassol a decisão também foi tomada em conjunto pela Vara da Infância e Juventude e pelo Conselho Tutelar. Além de não poder ficar nas ruas sozinhos, os adolescentes também não podem ficar em locais públicos, como shopping centers. Não há horários diferenciados por idade. O toque de recolher é geral, a partir de 23h para menores de 18 anos.
Para compreendermos o verdadeiro absurdo de tal determinação, essa realidade deve ser visualizada a partir de dois contextos históricos: a doutrina da situação irregular e a doutrina da proteção integral, que nos permitirá um olhar mais atento e consciente aos conceitos e valores atuais.
No Brasil, ao final do século XIX, as transmutações mundiais, refletiram novas idéias, que colocam a criança como um valioso patrimônio da nação. O País passava transformações, buscava-se o nascimento de uma nação “culta e civilizada”, onde a criança, por um lado, representava a esperança, o futuro da nação, se bem educada/reeducada conforme o padrão moral da época, por outro, uma ameaça, se não cuidada e moldada a esse padrão. Todo esse pensamento com características salvacionistas, a fim de garantir a paz social e o futuro da nação, em torno da infância, visava à prevenção (vigiar a criança), educação (treinar o pobre para o trabalho e submissão), recuperação (reeducar ou reabilitar menor ao padrão moral da época) e repressão (conter o menor delinqüente), o reflexo, portanto, foi a criação de um aparato médico-jurídico-assistencial no Brasil, que permitiu a criação do direito do “menor”.
A construção do direito do menor teve início oficialmente nos Estados Unidos da América, que se preocupou em implementar de pronto os Tribunais de Menores.
Os Tribunais de Menores proporcionaram a criação e aplicação do chamado “direito dos menores”, o qual trazia uma roupagem protetiva e assistencialista, sempre focado o combate da criminalidade, que, por sua vez, confundia-se com a questão social. Criou-se um sistema para controlar toda a infância desassistida, trazendo uma identificação ideológica e jurídica entre esta e a infância delinqüente.
A falta de formalidade, a forma discricionária com a qual o juiz conduzia todas as situações, como se fosse ele sabedor do bem e do mal, do certo e do errado, sem haver qualquer tipo de garantia e reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos caracterizou-se como a prática estatal, respaldada pelo direito dos menores.
Assim, a atuação de forma tutelar, incluindo na categoria menor, tanto os delinqüentes, como os abandonados, foram alguns dos principais elementos que constituíram a Doutrina da Situação Irregular que legitimava a atuação do poder judiciário indiscriminado sobre crianças e adolescentes em situação de dificuldade, justificando medidas assistencialistas e de segregação social.
O direito do menor legitimava a sociedade, que ao encontrar-se incomodada pela presença de crianças fora do padrão esperado, acionava os seus mecanismos de controle social, quais sejam, a Polícia, o Juizado de Menores, as Delegacias de Menores, as instituições oficiais e particulares, responsáveis por retirarem esse “menor” da vivência social. Existia, portanto, uma cultura de internação para os carentes e delinqüentes: a segregação vista como única solução.
A partir dos anos 80 no Brasil, o processo de redemocratização, colaborou para o processo de mobilização da sociedade organizada para buscar as modificações pretendidas em relação aos direitos de crianças e adolescentes.
A Constituição Federal de 1988 trouxe significativas mudanças, estabelecendo novos paradigmas, incorporando princípios elementares da Doutrina da Proteção Integral, sendo este o marco simbólico e formal do início do novo período prevendo um modelo baseado em direitos, fundamentado na Doutrina da Proteção Integral corporificado no desejo de assegurar dignidade às crianças e aos adolescentes brasileiros.
Deste modo, a Doutrina da Proteção Integral apresenta um conjunto conceitual, metodológico e jurídico, sob a ótica dos direitos humanos, atribuindo às questões relativas às crianças e aos adolescentes a dignidade e o respeito do qual são merecedores.
Tais preceitos foram reforçados através de normas internacionais dentre as quais a de maior relevância, nesse âmbito, foi a Convenção sobre Direitos da Criança de 1989, que incorporou finalmente a Doutrina da Proteção Integral e repercutiu como novo paradigma a ser incorporado pelas legislações internas dos países.
Já em 1990, foi aprovado no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que não apenas reconheceu os princípios da Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, como os desenvolveu.
As crianças e adolescentes passam a ser reconhecidas, em âmbito normativo, como pessoas em condição desenvolvimento, merecedores de direitos próprios e especiais, passando, portanto, de “menores” a cidadãos, sendo a responsabilidade de todos aqueles que integram o Estado (família, comunidade, sociedade em geral e poder público, em todas as suas formas) assegurem, prioritariamente, antes de qualquer outra política social, o real e prático alcance dos direitos inerentes à pessoa humana, como o direito à vida, direito à saúde, direito à alimentação, direito à educação, liberdade, além de outros.
Assim, crianças e adolescentes passam a ter acesso aos meios de defesa dos seus direitos, principalmente da liberdade, do respeito e da dignidade, bem como à responsabilização daqueles que porventura viessem a ofendê-los, exigindo uma prestação positiva do Estado, da família e da sociedade, independente de qualquer condição.
Essa nova condição jurídica, a que foram alçadas as crianças e os adolescentes (sujeitos de direitos), colocou-os em posição de igualdade em relação aos adultos. Estabelecendo a finalidade a ser alcançada: assegurar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Desfruta a infância e a juventude de uma finalidade especial, na medida em que são sujeitos de direitos, que devem ter assegurados para seu pleno desenvolvimento.
Dito isto, a atitude do juiz ao decretar o TOQUE DE RECOLHER nas cidades do interior de São Paulo, como medida para se evitar a violência juvenil, retrocede as práticas da Doutrina da Situação Irregular, onde o juiz da infância e juventude era visto como aquele que detinha o poder e total autonomia para decidir sobre a vida de crianças e adolescentes, tendo dentre suas funções a de tutelar e legislar, sendo muitas vezes uma figura completamente autoritária. O revogado Código de Menores centrava todas as decisões na figura do juiz que não precisava consultar ninguém e nem justificar as decisões que tomava. Pais, família e sociedade entregavam a responsabilidade de educar e cuidar os filhos ao Estado.
A partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, deve-se abandonar a idéia de que o juiz é um Deus capaz de decidir a vida de crianças e adolescentes através de forma indiscriminada, sem levar em consideração a responsabilidade dos pais e da sociedade. Hodiernamente deve prevalecer a figura de um juiz democrático, que deve exercer em sua plenitude a função de julgar não mais baseado em suas convicções pessoais, e sim na legalidade que permeia tais decisões.
Estabelecer toque de recolher fere todos os preceitos dos Direitos Humanos e da Doutrina da Proteção Integral. Práticas desumanizadoras como esta com o caráter estigmatizador, utilizado em tempos de guerra e até mesmo pelo regime nazista não podem ser consideradas legitimas. É uma medida no mínimo simplista e paleativa, que além de não resolver o problema, fere diretamente os direitos constitucionais, a Liberdade de ir e vir, liberdade de educar, liberdade de poder escolher entre o que é certo e o que é errado.
Luciano de A. Lima - Advogado - Especialista em Direito da Criança e do Adolescente pela Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul - FMP Porto Alegre/RS
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