No dia 13 de julho, o Estatuto da Criança e do Adolescente, completou 20 anos e ainda há muito que refletirmos sobre a legislação atual e a maneira que a sociedade a compreende, principalmente nas questões que envolvem violência, criminalidade e proteção a crianças e adolescentes.
- Violência e criminalidade:
Na sociedade atual a violência permeia todas as classes e está presente em quase todas as instituições. É um fenômeno complexo, onde um comportamento violento para um grupo pode ser considerado ato legítimo para outro.
A violência juvenil é um tema que tem perturbado a vida social e tem repercutido de forma alarmante nos meios de comunicação em todo o mundo. No Brasil tal fator tem gerado um clamor por medidas repressivas como a tramitação de leis que reduzam a idade da imputabilidade penal e até penas mais graves.
Podemos considerar que tal fator é causado por um tríplice mito: a) o hiperdimensionamento do problema, ou seja, casos isolados são generalizados, como se acontecessem cotidianamente, b) a periculosidade dos adolescentes, dissociada dos demais acontecimentos sociais e c) pelo mito da impunidade, ou seja, interpretar a lei através do senso comum, sem levar em consideração a atual legislação - Estatuto da Criança e do Adolescente, como uma legislação que prevê uma responsabilização para os atos daqueles adolescentes que eventualmente agem de forma violenta e praticam um ato infracional(crime).
A criminalidade por sua vez, não pode ser relacionada aos adolescentes de forma única e dissociada, tal fenômeno se deve a vários outros fatores como: níveis estruturais que tiveram esses jovens, fator sociopsicológico (papel das instituições na vida do jovem e da família) e individual (fatores biológicos, hereditários e de personalidade).
Sendo assim, só é possível termos uma noção realmente verdadeira sobre violência relacionada aos jovens se observarmos o problema de forma dinâmica e ampla.
Ao contrario do que muitos defendem o Estatuto da Criança e do Adolescente funda-se em um sistema de garantias constitucionais fundamentais e justificadoras de um Estado Democrático de Direito, onde está presente dentre outros, o princípio da Legalidade, considerado o equilíbrio entre o poder punitivo do Estado e o limite deste.
Tal princípio pode ser observado expressamente através do artigo 110 do Estatuto, que prevê que “nenhum adolescente será privado de liberdade sem o devido processo legal”, ou seja, toda vez que um adolescente comete um crime(fato típico, antijurídico e culpável), denominado na legislação como ato infracional, este deve ser apurado através do devido processo legal, tendo em vista que existe um sistema de punição/responsabilização a este adolescente, o qual deve ser acompanhado de igual forma por um Sistema de Garantias, e não mais um sistema protetivo da doutrina da Situação Irregular presente no antigo Código de Menores.
Devemos abandonar a idéia divulgada banalizadamente de que não existe uma responsabilização aos adolescentes que cometem algum ato infracional(crime), pois atualmente existe sim uma legislação que pune de forma coerente com os atos praticados.
Acredita-se que muito da visão de IMPUNIDADE se dá ainda pela confusão que se faz com a antiga legislação menorista, o Código de Menores e atual legislação, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Código de Menores previa tratamento linear tanto a crianças e adolescentes que necessitavam de alguma medida de proteção, quanto a adolescentes que praticassem algum crime, assim comumente eram todos encaminhados para antiga FEBEM(Fundação do Bem Estar do Menor). Ainda hodiernamente se escuta discursos como: “Olha Joãozinho se você não se comportar, se você não comer, vou te entregar pro Conselho Tutelar”, ou ainda,”... vou te mandar para FEBEM”.
Convém esclarecermos que antiga FEBEM (Fundação do Bem Estar do Menor), para onde eram encaminhados tanto os adolescentes que cometessem algum crime/ato infracional, como aqueles que necessitavam de alguma medida de proteção, está extinta.
Desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente existe um sistema distinto. Para crianças e adolescentes que necessitam de alguma medida de proteção são aplicadas as medidas previstas no art.101 do ECA, levando em consideração as necessidades pedagógicas, visando sempre o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, sendo a institucionalização o ultimo recurso.
Para os adolescentes que cometerem algum ato infracional(crime) existe responsabilização prevista no art. 112 do ECA que prevê as Medidas Sócio-Educativas(penas), dentre as quais encontra-se a medida de internação, que é a privação de liberdade do adolescente, e neste caso especifico existe a FASE (Fundação de Atendimento Sócio-Educativo) que trata-se de uma prisão, prisão semelhante ao sistema carcerário adulto, com a peculiaridade de quem deverá cumprir a pena em tal instituição é o adolescente que cometeu algum ato infracional(crime) grave.
O grande desafio sobre o tema, está ainda em como sanar tantas prioridades que estes jovens precisam se ao lado dessa busca existe uma sociedade cada vez mais punitiva e repressora, onde se justifica a punição como um bem aos jovens suprimindo-lhes direitos e garantias.
- A proteção – Novos avanços:
Por outro lado quando falamos no aspecto de proteção a crianças e adolescentes podemos observar um grande passo para uma mudança de realidade, que vem corroborar com os demais princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente, que vale mencionarmos, pois recente, que é o projeto de lei proposto, no que trata a violência cometida por adultos contra crianças e adolescentes, que se aprovado pode ser considerado um grande avanço para o país no que se refere ao olhar dado para esses sujeitos.
Um dia após o Estatuto da Criança e do Adolescente completar 20 anos, (dia 14 de julho), foi encaminhado ao Congresso Nacional, projeto de lei que proíbe as palmadas e surras tidas culturalmente como formas de educar, aplicadas há séculos pelos pais aos filhos, sem que isso fosse visto como algo desabonador.
Tais atitudes poderão agora ser punidas com advertências, encaminhamentos a programas de proteção à família e orientação especializada. E não só os pais, os professores e cuidadores , também ficam proibidos de beliscar, empurrar ou mesmo bater em crianças e adolescentes.
Até então, o Estatuto da Criança e do Adolescente, condenava os maus-tratos contra a criança e o adolescente, mas não definia se os maus-tratos seriam físicos ou morais. Com a alteração na legislação, o artigo 18 do ECA passará a definir "castigo corporal" como "ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente".
A alteração na legislação segue uma tendência mundial. Visa cumprir uma recomendação do Comitê da Convenção sobre Direitos da Criança das Nações Unidas, para que os países passem a ter legislação própria referente ao tema. Busca-se uma mudança cultural.
A Suécia desde 1979 possui legislação própria sobre o tema. Depois vieram Áustria, Dinamarca, Noruega e Alemanha. Atualmente 25 países têm legislação para proibir essa prática. Na América do Sul, até então, apenas o Uruguai e a Venezuela possuíam lei semelhante. Agora, vem o Brasil, que espera-se que aprove o referido projeto.
Tal mudança na legislação atual, traz agora para nosso país os avanços do resto do mundo, devendo a violência educativa ser banida do ambiente familiar e educacional que são os principais espaços que a criança e o adolescente tem para se desenvolver, espaços que devem ser seguros e não um campo de tortura.
O Estatuto da Criança e do Adolescente funda-se em um sistema de garantias constitucionais fundamentais e justificadoras de um Estado Democrático de Direito, e assim deve ser visto por toda sociedade e não mais como uma dissociação da realidade. Crianças e adolescentes devem abandonar o papel de objetos e passar a atuar como sujeitos de direitos e deveres, como cidadãos. Se o projeto de lei que prevê o fim das surras pedagógicas for aprovado com certeza representará um grande avanço e uma grande conquista no campo da infância e da adolescência, que após 20 anos de Estatuto, ainda tem muito a evoluir.
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